domingo, 29 de março de 2015

NÃO TENHO UM TÍTULO

Não sei explicar as razões deste afastamento. Simplesmente, de repente, me dei conta que não havia mais nada sobre o que falar, pois tudo é sempre tão igual, dia a dia, as mesmas coisas se repetem, os acontecimentos vão se tornando monótonos e fico pensando, quem vai querer ler o que uma completa desconhecida escreve, quando há tantos e bons escritores, cronistas, colunistas.....
Além do mais, escrever é um exercício, é preciso fazê-lo com frequência, senão você perde a mão, a coerência, a fluidez.
Também não foi só por não achar sentido em expôr meus pensamentos, deixar meus dedos correrem soltos pelas teclas do computador contando historinhas banais. Eu realmente, da mesma forma que precisei me dar um período sabático, no qual me afastei de tudo e todos e me permiti ficar apenas em minha companhia, também precisei desse afastamento "letrístico".
É logico que nada parou. O mundo não ficou tetraplégico ou em coma, inconsciente, deitado numa cama de nuvens, solto, à deriva no espaço.
Nem eu tão pouco. Muito antes, pelo contrário, minha vida foi agitadíssima nesses últimos tempos e a do planeta Terra, então, nem se fala.
Ocorre que eu não sentia aquela necessidade intensa de comentar ou contar nada, como antes, quando eu me levantava, sempre muito cedo e deixava as ideias fluírem.
Mas já há alguns dias venho sentindo saudade, porém este texto talvez seja o último de uma fase mais introspectiva. Não, não estou jurando de pés juntos que não escreverei textos mais relevantes, mas no momento, o que desejo mesmo é reeditar o meu alter ego: ANA, A QUASE SEMPRE DELICADA.
Porém, hoje deixo-me levar por uma comoção que tem dias me incomoda. Acho que todo o mundo, de alguma maneira procura entender o acidente com aquele avião nos alpes franceses. Acidentes sempre levam à incredulidade, a pensamentos sobre a validade de estarmos aqui e sobretudo, o temor de conviver com um inimigo que sequer conhecemos, mas que por motivos muito particulares tem o direito de nos manter vivos ou não.
Mas não vou discorrer sobre isso, já filosofei demais, filosofia de botequim (mesmo sem ter ido a nenhum), posto que jamais saberei o que se passa na cabeça das pessoas. Não sei direito nem o que acontece dentro da minha!
O que me move é esse desejo universal, inerente a todos, independente de raça, credo, ou qualquer coisa que o valha, de enterrar nossos mortos.
Tenho acompanhado, aliás sempre faço isso, tudo o que está acontecendo lá na região do acidente.
Vejo o  empenho que as equipes têm tido em recolher restos, pedacinhos mínimos dos corpos dilacerados  e cheguei a uma conclusão muito pessoal, muito íntima: se eu fosse parente de alguma das vítimas ou se um dia, valha-me Deus, acontecer algo dessa dimensão com alguém que me é caro, sinceramente, não quero que nada seja feito no intuito de me trazerem um corpo despedaçado, queimado, irreconhecível, só para enterrá-lo em algum cemitério ou cremá-lo.
A mim não importa saber em que estado ou onde ficaram os restos de uma vida. No fundo do mar?Num vale gelado? Numa floresta cerrada, impenetrável? Fico me perguntando: quem ordenou que os mortos tenham que ser enterrados em criptas familiares ou guardados em vasos?
Por que não deixá-los continuar em seu sono de morte, aonde estão?
Não digo que se vá criar um cemitério ao ar livre num centro urbano. Não é isso. Mas aquele lugar, longe de tudo, imerso numa paz gelada, que deve ficar lindo coberto de neve ou florido de flores silvestres na primavera, pode ser melhor para que nossos entes queridos descansem?
Não, eu juro-lhes, não gostaria de receber uma caixinha com o pedaço de um braço ou outra parte qualquer daquela que foi minha filha, mãe, esposo.
Não saberia o que fazer.
Preferiria que deixassem o lugar intacto, que fizessem dele um grande e lindo cemitério natural, que não separassem aquelas pessoas que por alguns momentos estiveram juntas, em comunhão, muito provavelmente felizes.
Penso o quanto seria bonito ver aquele vale coberto de edelweiss que nasceram espontaneamente como se fosse para enfeitar a última morada das 150 pessoas que  por razões ainda inexplicáveis,  morreram ali.
Tenho a mais absoluta certeza que se me entregassem um pedacinho de um ser amado, esse ato não abrandaria a minha dor, não diminuiria o meu sofrer. Não me importa saber se ele está num cemitério ou nas montanhas. Importa saber que ele jamais voltará, e que ele continuará vivo dentro de mim, seja em qualquer lugar onde o seu corpo ou o que sobrou dele, repousa.

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