sábado, 1 de novembro de 2014

APOLOGIA À DANUZA

Que  eu gosto de ler, até aí morreu o Neves. Todo mundo já sabe. Agora mesmo acabei de ler Caim, do Saramago. Confesso, fiquei com uma pulga atrás da orelha com Deus, mas isso é tema para outro post.
Hoje quero falar de Danuza, a Leão. Sabem quem é? Não? Então passem no Wipedia, que não vou fazer aqui uma biografia dela, não é esse o caso. O fato é que ela escreve. Não, jamais ela tomará o chá das cinco na Academia Brasileira de Letras, mas seus escritos são uma delícia. Já li todos os seus livros. Alguns mais profundos, onde ela conta sua vida, seus amores, a perda de seu filho. Outros mais leves, com dicas de etiqueta, de posturas, de "savoir faire".
Mas principalmente, gosto dela porque ela não tem medo de relembrar, de ter saudades do passado, de ser chamada de saudosista. Muito parecida comigo, a Danuza.
Eu também gosto de recordar o pretérito. Talvez seja a idade, o tempo passando acelerado (rápido demais para meu gosto).
Não faz muito, quando eu pensava na minha infância, invariavelmente me vinha à mente imagens pouco agradáveis ou calorosas. De uns tempos para cá, sei lá o motivo, escamoteei as tristezas para um poço bem profundo e deixo aflorar somente o que é cor de rosa, muito embora, tomar Emulsão de Scott no inverno fosse algo bem preto, um verdadeiro horror. Quem tomou sabe.Acho que foi nessa época que inventaram a bulimia, pelo menos eu. Todos os dias, após o almoço, lá vinha minha mãe com uma colher de sopa cheia daquela nojeira branca, com cheiro e gosto de peixe podre e enfiava nas nossas goelas. O intuito era nos fortificar, atravessar o inverno sem pegar nenhuma doença, porém para mim de nada servia, pois eu engolia e corria para o banheiro e vomitava. Claro, saía o remédio e tudo o que eu havia saboreado no almoço, que por sinal era sempre muito bom e farto em minha casa. Óbvio que minha mãe não entendia porque eu não engordava, ou que apesar de tudo eu sempre conseguia umas gripes que me deixavam prostrada por dias.
Bom, com relação à gordura, já disse em outro post que quase ninguém era gordo naqueles tempos de antanho. Éramos todos umas varetas, mas saudáveis. Claro, não havia TV, vídeo games, computador.
Lugar de criança era na rua. Imaginem, na rua!!! Até tarde da noite. Medos? Só do bicho-papão, da mula sem cabeça ou outros personagens que nossas avós ou babás inventavam para encher nossas noites sem luz elétrica. É naqueles idos faltava muita luz e ninguém falava em apagão.
Assim, sem rádio, televisão, sem computador, ficávamos em casa, iluminada por inúmeras velas coladas em pires ou latas. Aproveitávamos para brincar de fazer bichinhos com as mãos nas sombras das paredes. Quem ainda brinca disso?
Em dia de tempestade havia uma sensação de profundo respeito pela fúria da natureza. Todas as janelas eram fechadas (podia-se morrer de calor, afinal não havia luz e nem ventilador); os espelhos eram cobertos com tecidos para não atrair raios; não se pegava em nada que fosse de metal, também pelo mesmo motivo.
Minha tia Vivica, que praticamente morava conosco e me deixou este ano, tinha tanto medo de trovoada que quando estava sozinha em casa se enfiava debaixo da cama e ali ficava quietinha, rezando para Santa Bárbara, até passar a chuvarada.
O dia seguinte era uma beleza para nós, crianças. As ruas não eram asfaltadas, muitas ainda eram de terra e após uma noite molhada, pela manhã o barro que ficava era material excelente para se moldar brinquedos; pratinhos, xícaras e tudo o que a imaginação permitisse.
Voltávamos imundas para casa, mas o Rinso era um santo remédio para tirar a sujeira de nossas roupas. Roupas de brincar, é claro, porque os nossos vestidos mais bonitos eram só para passear e de preferência não amassar para não tirar o engomado do tecido, que nos pinicava a pele, mas nos deixava lindas, feito bonecas em vitrines.
Lembro com muita nostalgia de meus vestidos. Minha memória é de elefante e recordo até das roupas que usava quando era muito pequena, lá por volta dos meus dois, três anos. Tanto organdi, alguém conhece? cambraia, linho, veludo, entremeados com finas rendas e bordados. Minha mãe fazia questão que andássemos sempre bem arrumados e principalmente na moda. Tinha muito bom gosto, ela. E meu pai bastante dinheiro para prover nossos guarda-roupas com o que havia de melhor.
Tenho tanto para recordar! É o que farei nesses próximos posts. Lembrar. Deixar registrado um tempo que passava devagar. Hoje é claro, acontecem muitas coisas, boas e nem tão boas assim e sabemos tudo na hora. Chegamos até assistir a morte de um assaltante ao vivo. São tantas as informações que torna-se impossível registrar tudo o que vivemos. Mal lembramos o que engolimos ontem no almoço, afinal foi tão rápido,precisávamos trabalhar,mas por incrível que pareça, até agora guardo na boca o sabor de uma sopa de milho que Aurora, nossa cozinheira fazia com maestria. Nunca mais provei nada igual. Aliás, duvido que as crianças de hoje sejam tão felizes quanto nós fomos. Não éramos presas em torres altíssimas, não fazíamos uma infinidade de aulas, podíamos circular de bicicleta por toda a cidade, sem receio de sermos atropeladas. E da bandidagem, medo mesmo só do bandido da Luz Vermelha, porém ele só ficava no nosso imaginário, pois acho que nunca pisou em nossa cidade.
São outros tempos e cada qual no seu cada qual. Talvez minha percepção de felicidade infantil esteja completamente equivocada, talvez seja realmente melhor que as crianças acreditem que as galinhas já nasçam embaladas e congeladas nos supermercados. Muito melhor do que ver alguém torcer o pescoço de uma penosa. Talvez.

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