Casimiro de Abreu, por favor, volte das profundezas do céu ou do inferno, não sei, afinal não lhe conheci pessoalmente, e venha repetir para mim: " ai que saudade que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais"!
Eu sou apenas uma mulher latino americana, com mais de cinquenta anos, com algum dinheirinho no bolso, sem parentes (importantes ou não) e que vive no interior cheia de medos. Olha eu aí plagiando o Belchior! Eta nós!
A verdade é que levantei hoje sem um assunto definido para escrever. Costumo acordar cedo, (também durmo mais cedo que antigamente, coisas da idade, acho) e é esse o horário em que minha cabeça está mais fresca, mais poluída de ideias, então, rapidamente, entre uma xícara de café e um pedaço de mamão, aproveito para exercitar meus dedos nas teclas do computador.
Geralmente já tenho um assunto previamente definido, mas hoje, nada. Cabeça vazia.
Não que não tenha sobre o que escrever, afinal, vivemos num mundo em que não faltam principalmente desgraças sobre as quais podemos discorrer.Pensei, pensei e tornei a pensar e de repente, não mais que de repente, me veio um insight; Estou com medo de viver. Explico.
Não, já nem considero o medo da violência criminosa, essa já faz parte do nosso dia-a-a dia.
Quem de nós não faz de suas casas verdadeiras prisões? Não, eu estou com medo da COMIDA.
Gente, comer não deveria, ser mais do que um ato de nos nutrir, um prazer? Cresci e acredito que os da minha geração também, comendo de um tudo, e que tudo! De goiaba tirada do pé, a chocolates, bolachas, refrigerantes, arroz branco, leite tirado da vaca, conservas enlatadas, pães de trigo, etc, etc, etc....
As vitaminas vinham dos próprios alimentos. Os únicos remédios que tomávamos era, como já mencionei, o miserável Emulsão de Scott ou Sadol, que era para abrir o apetite.
E hoje, o que comemos? Pai eterno da misericórdia francesa! Tenho medo de abrir meus armários e minha geladeira. Açúcar magro, sal sem sódio, arroz integral, linhaça dourada, farinha de aveia, folhas verdes para fazer suco detox, ovo? só para fazer omelete de claras, verduras orgânicas, leite e derivados sem lactose, macarrão de arroz, porque não tem glúten e dezenas de potes cheiosde bagas milagrosas de colágeno, de todos os tipos de vitaminas, uma verdadeira farmácia.
Procuro entre as embalagens alguma coisa que dê prazer ao meu paladar, mas só encontro caixinhas de pudim e gelatinas diets, que têm gosto de remédio.
Mas ontem me rebelei. Dei um grito de liberdade ou morte em pleno supermercado.
Já entrei no dito cujo procurando evitar as prateleiras atulhadas de tesouros gastronômicos. Fui caminhando pelos corredores, aqueles permitidos, enchendo o carrinho de produtos que prometem uma vida mais saudável e mais longa. Ultimamente até os rótulos eu costumo ler; preciso saber a quantidade de sódio, senão minha pressão vai até a estratosfera, também tenho que saber se a bolachinha tem leite, porque estou com intolerância à lactose, então tá, vamos procurar algo que seja feito com soja.
De repente me deu um surto de loucura. Larguei o carrinho e disse CHEGA!!! Quero comida, comida de verdade, com sabor, cheia de coisas proibidas, mas tudo bem, posso até morrer depois de comer uma torta coberta de creme, mas vou morrer de barriga cheia e sobretudo, feliz.
Que me adianta viver até os cem anos comendo farelo?
Que diabo de ditadura é essa que nos obriga a ingerir alimentos que podem até nos fazer bem organicamente, mas que fazem das nossas refeições um velório. Tem coisa mais deprimente que a cor de um arroz integral? Lembra a coloração de um cadáver. Você já viu um? Se ainda não viu corra até um cemitério e garre reparro: é igualzinho.
Assim, mandei a culpa (sim, porque a danada vem e nos cobra bom senso), para aquele lugar que não vou escrever porque sou uma mulher educada e me atraquei numa torta, num pote de sorvete italiano, num panetone (recomendo o da Casa Suíça. Inigualével), numa garrafa de Coca Cola, num pacote de pipoca de microndas e de tudo o que há meses venho me privando.
Cheguei em casa faceira e nem dei tempo para abrir as sacolas e guardar as guloseimas. Já fui abrindo tudo e de tudo comendo com ganas um ou vários pedaços.
Um dia Senhor, dá-me pelo menos um dia de prazer absoluto.
Como era dia de finados, fiz uma homenagem aos meus mortos,lembrei que meus avós morreram velhinhos e nunca se preocuparam em não comer um bom torresminho (quem pensava em colesterol?); minha mãe, que morreu ano passado comeu tudo o que teve vontade. É verdade que tinha somente 76 anos, muito aquém da expectativa de vida atual; minha tia que se foi esse ano também nunca abriu mão dos quitutes que gostava e olha que ela partiu com 88 anos. E vou contar um segredo: fui a última a vê-la antes de entrar em coma e sabe o que ela me disse? "Ana Luiza, vamos fumar um cigarrinho"? Foram suas últimas palavras antes de ir para a UTI.
Vejam bem, não estou aqui a fazer apologia ao abuso gastronômico. Sei bem dos benefícios de uma alimentação e hábitos saudáveis e juro, tenho conseguido me manter na linha.
Mas convenhamos, um pecadinho vez ou outra não vai nos matar. Não precisamos nos privar de tudo sempre, pois falta de prazer leva à depressão, à tristeza, e nesse caso é bem provável que você substitua seus potes de vitaminas por outros de anti-depressivos.
Moderação, essa é a palavra chave. De vez em quando abra uma exceção, se permita sentir a tal felicidade e caia de boca num pote de sorvete.
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