quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
UM CARNAVAL DIFERENTE - NATIVA
EU SOU A NATIVA
Passou. Pelo menos para nós, aqui do sul, a folia acabou. Não sou contra, já gostei muito.
Esse ano, porém, vivi dias muito estranhos, uma mistura de alívio e alegria com uma tristeza profunda, ambiguidades comuns da vida. São duas histórias e vou começar por aquela que me causou muita dor. Esse texto é para NATIVA. Quem é Nativa?
Uma cachorra vira-lata, peluda, bege, porte médio para grande. Vivia no Rio de Janeiro, foi resgatada ainda filhote numa cidade da serra fluminense.Durante muitos anos conviveu pacificamente com outro vira-lata, de nome Fuxico.Dormia em quarto com ar condicionado, na cama, junto com sua "dona".
Durante muitos anos reinou tranquila, junto com seu parceiro, levava vida de madame.
Mas certa feita, a "dona" ganhou uma Labradora, e oras bolas, que comparação pode haver entre uma cachorra com pedigree e outra sem raça alguma?
Não houve dúvidas: não havia mais lugar para Nativa. Como eu já há muito recolhia animais abandonados, nada mais prático do que despachá-la para mim. E assim, após um telefonema, fui avisada que Nativa chegaria de avião ainda naquele dia. Fomos buscá-la, assustada, triste. Na minha casa, os cachorros estão em canis. É verdade que há bastante espaço, geralmente ficam dois ou três em cada baia. Não passam frio, fome, sede ou muito menos, falta de amor. Para mim todos são lindos e amados. Muitos chegaram até mim ainda bebês, portanto, pouco conheceram da maldade humana.
Outros já chegaram adultos e já tinham vivenciado todo tipo de violência. Minha dor era igual por todos, porém por Nativa era maior.Para aqueles que foram abandonados nas ruas, minha casa era o paraíso, mas para uma cachorra que vivia com todo luxo e conforto, trocar uma cama box, macia, por um estrado de madeira, ainda que protegido por cobertores era uma derrocada e tanto. Talvez por isso, amava mais a ela que aos outros, minha compaixão era maior e quando ela me olhava com aqueles olhos que só os cães infelizes têm, meu coração se partia em cacos.
Sempre pensava que ela devia se perguntar que mal ela havia feito para ter sofrido uma mudança tão drástica de vida.
Mas nada lhe faltava, ela sabia que era amada.
No começo do mês descobri que ela estava com um bicho berne. Foi difícil vê-lo, pois ela era bastante peluda. Fiz todo o tratamento prescrito pelo veterinário e mesmo com limpeza, retirada da miíase (bicheira) que se instalou, antibioticoterapia, nada surtiu resultado. Ela emagreceu rapidamente, em uma semana era pele e osso. Tentei uma reposição com vitaminas e uma alimentação reforçada, sem sucesso.
Já não se levantava; levei-a para dentro de casa, acomodei-a num travesseiro. Sua respiração era penosa, mal conseguia engolir, eu a alimentava com seringa, uma dieta enteral.
Na quinta-feira, morreu nos meus braços. Ainda conseguiu erguer um pouquinho a cabeça para me dar um último beijo. Sim, cachorros beijam quem os ama.
Deixei-a enrolada em um lençol, precisava esperar meu caseiro chegar para enterrá-la. Fui almoçar, ou melhor, tentar comer alguma coisa. Quando voltei ela já estava rígida, gelada, sem batimentos cardíacos, as pupilas dilatadas. A sepultura já estava pronta, embaixo de uma árvore que agora está toda florida de amarelo. Enquanto a carregava nos braços, senti que ela deu um suspiro profundo, depois outro e suas pernas começaram a se mexer. Ela estava VIVA!.
Voltei com ela correndo, entre lágrimas, para dentro de casa e lhe dei uma tigela de leite com Neston e Sustagem que ela comeu com gosto. Mas me preocupava o fato dela estar sem diurese a dias, sabia que estava fazendo uma insuficiência renal. No dia seguinte, cheia de esperança, a encontrei novamente caída, sem forças, fazendo pequenas apnéias.
Então, mais uma vez tomei a decisão, a mesma que já havia tomado outras tantas vezes: ela iria por fim descansar. Iria para o que eu chamo de céu dos bichos, iria virar anjo de asa. E assim, anestesiada pelo veterinário, ela me deu adeus. Tinha aproximadamente catorze anos de vida, sendo que destes, a metade os passou ao meu lado.
Era sexta-feira de carnaval, dia 13 de fevereiro. Para mim, era como sexta-feira santa.
Não, não chorei mais, nem sempre lágrimas são sinônimo de sofrimento e dor. Sei que a vida é assim, tem seu curso e sua vontade próprios e nada pode evitar o fim.
Agora ela está lá, vai contribuir para que minha árvore floresça ainda mais. Em cada nova florzinha sei que terá um pouquinho dela.
Não, por favor, não me condene, meu amor pelos animais não diminui o meu amor por aqueles humanos que o merecem. Eu simplesmente penso que tudo é VIDA. Não acredito na soberania dos homens sobre os animais. Acredito em diferenças, que precisam ser respeitadas.
Saiba Nativa, que onde você estiver e sei que estará com todos os outros que já partiram, você sempre estará guardada em uma das tantas gavetas que tenho em meu coração.
PS: A VOCÊ QUE A JOGOU FORA COMO SE JOGA UM SAPATO VELHO, O MEU MUITO OBRIGADA. NATIVA ME DEU MOMENTOS DE MUITA FELICIDADE E DE MUITO AMOR, SENTIMENTOS QUE SEI, INFELIZMENTE VOCÊ DESCONHECE.
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