Não seria hipócrita de afirmar que a aceitação e a conformidade chegaram em mim de uma forma suave, como uma borboleta que pousa numa flor.
Mas nada havia a ser feito. Aceitar era preciso. Ter Parkinson não é como você ter um resfriado que passa numa semana. O Parkinson se agarra em você, preenche todo o seu corpo e sua cabeça
também, pois você sabe, não há cura.
O que lhe resta é tentar fazer do que sobrou de sua vida uma vida, senão perfeita, (aliás, quem tem uma vida plena?), pelo menos não tão complicada.
No início, logo após ser diagnosticada eu só tinha uma pergunta: "por quê? por quê eu?? Tantas vezes me questionei, milhares de vezes fiz essa pergunta a mim mesma, até meu cérebro cair de cansaço, até ele um dia gritar com todas as forças, "NÃO HÁ RESPOSTA!!! SIMPLESMENTE ACONTECE"!
E aí meu amigo, você tem dois caminhos: aceitar ou não aceitar.
Se absorvi esse novo estado com facilidade? Quem gostaria de ter suas capacidades motoras invalidadas? Quem acharia bom não conseguir tirar uma assadeira do forno sem correr o risco de se queimar?
Aos poucos, em minha mente sempre vinha um poema de Carlos Drummond de Andrade, que diz: Vai, Carlos! vai ser "gauche" na vida. Ou seja, escolha o caminho da esquerda e percorra o que você ainda de vida pela frente de uma forma torta.
Perdi a conta do quanto senti vontade de simplesmente me entregar, deitar na cama e deixar o tempo passar. Ainda, em alguns momentos sinto essa vontade.
Mas resolvi ir pela "droit", decidi que não me entregaria assim tão facilmente. Não sou tão velha que possa me dar ao luxo de sentar numa cadeira de balanço esperando a morte chegar. Ainda tenho energia, ganas de viver intensamente. É bem provável que se estivesse sozinha essa teria sido a decisão.
Assim, faço tudo o que minhas limitações permitem, ou não permitem, mas faço-as assim mesmo.
Tenho um marido que me levanta sempre que parece que vou esmorecer. Ele não demonstra nem piedade, nem tão pouco vergonha quando num restaurante eu deixo a comida cair do garfo.
Sabe que tenho algumas dificuldades, como subir ou descer escadas, então está sempre atento para que eu não caia, me segura pelo braço, me leva e me diz: "vamos passar isso juntos".
Está sempre me incentivando a realizar coisas. Embora colabore e muito com a organização da casa, como cozinhar, lavar louça, ou me alcançar algo que está num armário alto, nunca vi em seus olhos um lance de compaixão.
Acredito sim, que longe de mim ele deva ter sentimentos de revolta e até mesmo de pena, mas não deixa transparecer nada. Quando se deu conta que eu precisava trabalhar as minhas articulações, não teve dúvidas, matriculou nós dois numa academia.
Deixa-me fazer atividades arriscadas, como andar numa tirolesa, fazer uma trilha ou andar de bicicleta, que por sinal, ainda que pareça loucura, me dá mais segurança do que andar a
pé.
Brinco com ele,digo-lhe que ele fez uma péssima escolha ao se casar com uma mulher mais velha, cheia de problemas. Ele rebate minhas argumentações, nega que uma mulher de menos idade o faria mais feliz. E na verdade, quem fica feliz sou eu. Aliás, que mulher não ficaria?
Enquanto escrevo esse texto, penso na sorte que eu tive. Sim, eu tenho Parkinson, mas também tenho um companheiro insubstituível. Será isso que é o verdadeiro amor? Acho que sim.
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