Foi difícil voltar. Havia decidido que minha "carreira" de escritora tinha morrido. Levei um bom tempo para aceitar que nem todo mundo pode gostar do que escrevo, assim como eu não gosto de alguns autores. Enfim, após receber vários e-mail pedindo que eu voltasse à minha história, achei que era uma bobagem parar. E não vou nem comentar mais sobre o ocorrido, mas sim sobre o que é uma pessoa sofrer de Parkinson.
Durante muitos anos, eu, como enfermeira, estive do outro lado, ou seja, nem eu era doente e tão pouco tinha alguém da família com um caso tão grave, portanto, minhas análises eram apenas destinadas sobre pessoas estranhas, com as quais eu não tinha convivência, não tinha laços afetivos. Hoje, estou dos dois lados da vida. Já fui "família" e agora sou "paciente". Realmente PACIENTE, porque haja paciência!
Enquanto meu pai estava vivo e eu era parte da "famìlia", descobri que a enfermagem e os médicos dão muito valor ao doente, mas se esquecem que de alguma forma, a família também adoece, também sofre e precisa de apoio. Talvez não precise de medicamentos, mas de ombros e mãos amigas, de palavras de conforto e sobretudo, precisa aprender a buscar forças que muitas vezes ela nem sabe que tem. A vivência com um parente próximo se torna mais fácil quando os familiares são unidos por laços afetuosos, quando todos estão, de alguma maneira dispostos a ajudar, a compartilhar, o que não era meu caso. Todos, sem exceção, tinham suas vidas, seus afazeres dos quais não podiam abrir mão.
Mas eu existia, era enfermeira, morava perto e o melhor de tudo, era "encalhada", ou seja, não tinha marido ou namorado. Então Ana, assuma o leme, toque o barco sozinha. Se por acaso o mar ficar muito agitado nos chame, se der vamos até aí ajudar.
Hoje, não contabilizo isso como falta de amor,era apenas uma forma de se eximir do sofrimento alheio, ainda que o alheio fosse nosso pai.
Com minha prima, também foi igual. Primeiro minha tia, ficou cega, devido a um glaucoma não tratado corretamente, Em seguida, entrou em coma, que durou anos, sem que até hoje não se tenha sabido as causas que a levaram a àquele estado. Minha prima também tinha mais três irmãos, mas foi ela o comandante daquela nau que se sabia, iria afundar.
Quis o destino (será mesmo o destino?) que ela também recebesse o glaucoma como herança. Fazia muito tempo que não nos víamos e quando a reencontrei, de bengala, achei que ela havia caído, estivesse com um pé quebrado, qualquer coisa do gênero. Mas não, ela estava praticamente cega e mesmo com todos os recursos da medicina, seu caso era irreversível.
Levei um choque imenso, mas por incrível que possa parecer, ela não tinha revolta ou amargura, ela aceitava como um fato da vida, um fato que pode atingir qualquer um de nós.
Fazia tudo o que conseguia, até casou-se novamente e não se entregou. Anda bonita, bem arrumada, agora mesmo acabou de chegar de uma temporada na Europa, com direito até a um cruzeiro pelo mediterrâneo. Conseguiu enxergar tudo? Certamente não, mas o que viu já foi o suficiente para lhe alegrar a vida.
Óbvio que, ao saber da sua condição houve o momento da revolta, da dor e às vezes ainda deixa a tristeza fluir, a incompreensão se aflorar. É mais do que normal, afinal ela é humana, não santa destinada a um martírio sem chorar. Mas procura de todas as formas aproveitar o que a vida lhe oferece. Agarra-se com gosto a tudo que lhe é dado. Não se deixa derrubar.
E foi nela, mais do que qualquer outro exemplo que tenha conhecido, que me espelhei quando me descobri parkinsoniana. É nela que penso quando a amargura quer me abater, quando deixo cair as coisas que tento segurar em minhas mãos tolas ou quando tropeço na rua e as pessoas pensam que estou caindo de bêbada.
Também temos em comum, não só uma doença irreversível e invalidante. Temos maridos maravilhosos, que estão sempre a nos segurar, nos guiar. Não estamos sozinhas, acho até que somos privilegiadas, até porque eles estão conosco não por pena, mas por amor.
Quantas mulheres podem dizer isso de seus companheiros? Nós podemos e isso faz a vida valer a pena.
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