terça-feira, 2 de dezembro de 2014

RITUAL

Desde a primeira vez que viajamos para Gramado, sem noção de nada, sem roteiro pré-estabelecido, acabamos por criar um ritual, que tratamos de refazer todos os anos.
Para quem não lembra, ou não leu, chegamos debaixo de uma chuva de lavar até a alma. Íamos acampar, barraquinha pequena, nós, campistas realmente de primeira viagem. Desanimamos. Encharcado até o último osso, meu marido conseguiu montá-la, mas depois de armada vimos que seria impossível sequer pensar em tirar um simples cochilo.
Resolvemos então ir ao centro de Canela, quem sabe, Deus ajudaria a encontrar um canto mais seguro para nos abrigar. Ah! que intentada inútil. Mas Deus é pai, não é padrasto e assim, quando já estávamos prontos para retornar ao camping, juntar nossas tralhas e garrar o rumo de volta, o sol abriu, num milagre divino.
Enquanto meu marido ia estacionar o carro, fiquei feito boba, extasiada diante da Catedral de Pedra, como uma japonesa desvairada, fotografando tudo. Vinha andando de costas e, óbvio, não tenho olho atrás da cabeça e não vi que tinha uma guia no meio o caminho. Isso mesmo, uma guia pequena, coisa pouca, mas imensa para um pé desavisado, que se perdeu no vácuo, torceu como uma toalha lavada e me estabaquei feito uma jaca madura.
Juntou gente, eu não sabia se ria ou chorava, só sei que o pé inchou imediatamente, feito um pão esperando para ser assado. Quando meu marido viu a cena, acho que pensou: "pena eu não ter trazido a garrucha do meu pai!" Com toda razão, em um mês era o segundo tombo e o segundo pé invalidado.Acho que as pessoas que gentilmente tentavam me levantar, suja e dolorida, por pouco não me soltaram novamente no chão, tal a malignidade furiosa que vinha junto com meu marido. Se olhar matasse eu teria realmente morrido ali mesmo, nem precisaria de uma garrucha.
Mas ele, como sempre, com toda calma e carinho, me pegou no colo e me levou até o café mais próximo. Ali solicitou gelo, fez compressa, me acarinhou, enxugou minhas lágrimas e pudemos então nos deliciar com uma massa maravilhosa. Estávamos no Empório Canela. Misto de casa antiga, restaurante, loja, livraria e café, tudo junto e misturado num clima delicioso.

Depois de jantar fomos ver os livros e claro, compramos alguns. Evidente que o pé, bem, ele continuava doendo feito uma desgraça, mas não deixei o prazer ir embora.
Desde então, não houve mais tombos, mas nossa primeira atividade ao chegar lá é ir ao Empório Canela. Repetimos sempre a mesma coisa (menos o pé machucado). Comida, literatura e amor. Pode ser melhor?
É nosso ritual íntimo. Só nós dois sabemos seu significado, é quase como um amuleto, muito embora não possa andar com um empório pendurado em uma corrente no pescoço.
Contrariando o que voces podem estar imaginando, nunca compro um romance leve. Sei lá qual a razão, mas sempre vou em busca de algo muito real. Talvez seja para garantir que ali é um sonho, mas o mundo não parou, com todas as suas mazelas. Assim, leio um pouquinho a cada dia, muitas vezes só consigo terminar de ler quando já voltei.
Esse  ano fizemos o mesmo, mas passei por todas as estantes e nada me chamava a atenção. Já estava desistindo, quando no meio de vários, encontrei um, solitário, só tinha um exemplar. Já tinha lido alguma coisa sobre ele e nem pensei: agarrei o exemplar, paguei e levei.
Chamava-se "QUEM, EU?"  de Fernando Lugozzi.Ele me trouxe uma experiência muito particular, carregada de emoção e voces verão, mudou minha vida.

Através dele vou compartilhar com voces não somente as minhas dores, os meus erros e tão pouco minha intimidade, que já tive a infelicidade de expôr.
Fernando me deu coragem. Coragem para rever sob outro foco a minha vida; coragem para admitir para voces: eu sofro de mal de Parkinson. Coragem para enfrentar mais esse ato da vida e não ter medo de dividir como tenho aceitado.
Espero que voces sejam meus parceiros nessa jornada. Juntos será mais suave a travessia.

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