sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

AFASTAMENTO COMPULSÓRIO

Dois dias longe dos meus escritos, entro em crise de abstinência, pois escrever se torna um vício.
É verdade que não me afastei do computador, nem das palavras, mas agora elas eram acadêmicas. Precisei dar uma ajuda em uns artigos que meu marido está fazendo para o Mestrado e absolutamente não posso me negar, não para uma pessoa que faz absolutamente tudo para mim. Não, eu não escrevi os textos, apenas reescrevi, coloquei em ordem. Foi bom, fiquei mais letrada, passei a entender mais de turismo, de patrimônio histórico. Também valeu porque essas parcerias consolidam nossa relação, é sempre um ajudando ao outro. Achamos que assim deve ser um casamento: um compartilhamento onde os dois crescem juntos.
Gosto de escrever nas primeiras horas da manhã, quando está amanhecendo, quando ainda há silêncio, quando ainda o cantar dos passarinhos lá fora não é abafado pelo som dos motores ou dos muitos carros que têm uma casa noturna dentro deles e colocam música sertaneja a um volume insuportável.
Já criei uma certa rotina: à noite, quando vou para a cama já tenho um assunto na cabeça, geralmente ele tem relação com algo que me aconteceu durante o dia. Pode ser uma coisa boba, como um tropeção no tapete, uma topada no canto da mesa porque me desequilibrei, mas qualquer desses percalcinhos (nem tão percalcinhos assim, minhas pernas vivem pintadas de roxo), não me permitem esquecer que tenho Parkinson. Muitas vezes isso passa batido, nem ligo, porém em outros momentos minha energia baixa, minha força se vai e não é raro uma revolta nascer.
Tenho suportado tudo de uma forma muito firme, pelo menos, quase sempre. Lógico, ninguém em sã consciência vai querer aos cinquenta e sete anos saber que está com uma doença que não tem cura e que vai aos poucos me tornando inválida. Pode acreditar, não é uma sensação boa. Mas nada posso contra isso e como sou partidária da máxima que diz que "quando você não pode contra um inimigo, una-se a ele", foi o que fiz, desde que passou o choque inicial e a razão se impôs.
Adianta alguma coisa eu entrar em desespero, me revoltar, me recolher num casulo?
Peguei o Parkinson pelo colarinho, coloquei-o cara a cara comigo e lhe dei um recado: " meu amigo, não adianta, você não vai me dominar, muito menos me derrotar, pode até me abater, mas eu vou resistir".
Não sou melhor que ninguém não, e muito menos estou aqui posando de heroína. Nada disso. Têm dias em que a tristeza chega, o desespero pelas dificuldades para executar coisas mínimas me prostra e então, já aprendi, tomo um calmante, deito e durmo. Se ficar lutando contra, sei que vou perder a batalha, então o melhor é relaxar. Não foi um processo fácil chegar a este ponto. Foi preciso muita terapia, mas entendi que, se minha vida já é complicada pela doença, por que vou torná-la pior?
Como toda pessoa portadora de uma patologia grave e incurável passei pelos cinco estágios já amplamente descritos pela médica psiquiátrica americana Elisabeth Kubler Ross.
Ela coloca que diante de um fato, ou de uma perda muito significativa, vivemos um período que ela chama de "luto". Não necessariamente esse luto tem que ser relativo à morte de um ente querido, ou mesmo a nossa. Podem ser acontecimentos vários, e claro, ele se manifesta com mais intensidade quanto mais grave for o fato.
É óbvio que não fiquei feliz ao me descobrir doente. Quem ficaria? Acredito que todo ser humano busca o bem estar, o ser saudável, o estar bem. Relembrando um pouco da minha vida de enfermagem, cito o conceito de saúde preconizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que diz: " saúde é o bem estar completo físico, mental e social e não apenas a ausência da doença".
Assim, estar ou ser doente não significa apenas ter dor física, ela é apenas um dos agentes e vamos combinar, não é nada fácil, você perante os outros derramar vinho em seu lindo vestido porque suas mão são incapazes de ficarem quietas, ou andar trançando as pernas, tal qual um bêbado equilibrista ( me perdoe João Bosco). Ninguém gosta de ser observado de maneira piedosa, com olhares de soslaio, com comentários a meia voz. Eu, como todos, quero estar PERFEITA.
No começo me sentia muito desconfortável com essas reações. Na verdade tinha vergonha. Ficava imaginando o que ou outros pensavam; " o quê esta mulher, bêbada como um peru em véspera de Natal, está fazendo aqui'? A primeira coisa que fazia era levar minhas mãos nas costas, escondê-las, para que ninguém percebesse os tremores.
Tolo engano. Em algum momento elas teriam que ser expostas. Vou comer como? Enfiando a cara no prato e abocanhando um pedaço de carne tal qual um cachorro?
Mas voltando à doutora Elisabeth, cujo trabalho eu já conhecia, comecei a vivenciar, mesmo sem ter a devida consciência o que ela preconizava.
Ela afirma que passamos por cinco fases (às vezes nem todas e não na mesma ordem): negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. E vivenciei e ainda de certa forma vivencio, pois  não se trata de um processo estanque, quatro delas, com mais ou menos intensidade. A única pela qual eu não passei foi a fase da barganha, aquela em que fica-se propondo a Deus levar um maço de velas, ou fazer uma novena, ou qualquer ato de bondade para o próximo, caso ele nos cure.
Nem que eu me propusesse ir de joelhos até a cidade de Aparecida do Norte, eu me livraria do Parkinson. Decididamente, sou uma  mulher sem fé ou pelo menos, de pouca fé.
Não existe um limite para cada uma das fases, muitas vezes elas se entrelaçam, mas o que melhor pode acontecer é quando chega, enfim, a aceitação.
Pronto. Você tem Parkinson, não tem cura, mas existem tratamentos paliativos e tudo o que você não pode fazer é sentir pena de você mesma. Trate de aprender a conviver com suas limitações e se possível, ria de suas trapalhadas.
O pior é quando caio. Sempre que vejo eu mesma ou outra pessoa ir ao chão, me dá uma reação nervosa que mistura um riso completamente incontido e um choro idem (se o tombo for meu). Mas o pior não é chorar nem rir, o pior é fazer xixi nas calças, algo muito comum quando me vejo numa situação dessa. Se do meu pai herdei o Parkinson, da minha mãe herdei a incontinência urinária.
Será que os dois não poderiam ter me deixado, sei lá, umas jóias, um dinheiro, umas glebas de terras, uns imóveis?
Não, me deixaram de presente, além da doença, o vexame de não poder rir sem que a bexiga exploda.
Mas a aceitação é apenas uma das partes de jogo infernal.Há muitas outras peças, mas a gente vai aprendendo a jogar.


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