A vida não para, não dá sossego. Cada dia é uma incógnita, com seus bens e seus males, com ganhos e perdas e na minha houve de um tudo, como na de tomo mundo, aliás.
Perdi casa, levada por uma enchente, perdi alguns de meus cachorros, perdi pessoas amadas e ganhei outras. Outros amigos, um verdadeiro amor que me acompanha há quatorze anos, uma casamento de aliança e tudo. Só faltou o bolo, mas iremos sim, a qualquer hora, fazer uma comemoração. Passei por um câncer, por um estado de quase morte, por um período de loucura, onde incendiei minha casa, Ah! meu Deus, só estes últimos sete anos dariam um livro.
Mas vamos voltar ao que interessa, ao que é o verdadeiro foco que me levou a escrever. Não tomarei atalhos, vou direto ao ponto: como comecei a sentir que estava ESTRANHA.
Sim pois foi com estranheza que encarei os primeiros sintomas e não creditei a eles nada que não fosse uma reação a enorme quantidade de remédios que vinha e venho tomando
Já vinha a algum tempo fazendo terapia e sendo medicada. Custei a me adaptar a alguns remédios, sobretudo a um que me fazia sentir como se eu estivesse completamente bêbada. Não, não fazia nenhuma bobagem, não vomitava, apenas passara a andar como se fosse um pudim de cachaça. Vivi muitos constrangimentos, porque não há como diferenciar o andar de uma pessoa embriagada e o meu. Logo eu, que por todas as razões do mundo odeio bebida alcóolica. Embaralhava as pernas, elas não atendiam mais aos meu comandos. Meus pés se trançavam a cada passo e sofri alguns tombos vergonhosos, mesmo estando calçando sapatos sem saltos.
Geralmente os pés eram os membros mais prejudicados e passou a ser corriqueiro eu ter que ficar imobilizada, com meus lindos pezinhos inchados como pães prontos para irem ao forno.
Sentia também que estava "enferrujando". As articulações pareciam carecer de óleo para funcionarem e gradualmente fui perdendo as forças nas mãos. Fui me tornando uma exterminadora de objetos, não tinha força ou segurança para pegar nada. No entanto, até então, achava que eram efeitos colaterais, que passariam com o tempo. Mas minha médica mudou a medicação, crente também que eu melhoraria.
Não sei determinar ao certo quando me dei conta do tremor. Talvez ele já tivesse se instalado, porém não lhe dava atenção, até chegar a um ponto em que comer tornou-se um ato constrangedor, pois o garfo tinha vontade própria e o copo tinha que ser segurado com as duas mãos para chegar até a boca sem que eu derramasse boa parte do líquido na minha roupa.
Novamente creditamos o fato a uma não aceitação das novas medicações. Novamente modificamos o tratamento.
Sei lá que mecanismo se desencadeia em mim diante de certas situações; eu simplesmente não enxergo. Lembro que quando peguei, alguns anos antes o resultado de uma biópsia de uma endoscopia. Fiquei tão feliz. Era apenas uma gastrite. Meus olhos se recusaram a ler a última frase do laudo; "lesão neoplásica no esôfago". Como eu não havia me dado conta daquele diagnóstico? Só quando levei o resultado ao médico, dias depois é que compreendi, ou melhor que abri meus olhos e vi. Se fosse uma pessoa leiga, seria perdoável. A palavrinha neoplasia, para quem não a conhece, nem sempre é identificada com câncer.
Assim também se deu com os sintomas que agora começaram a fazer parte do meu dia a dia. Voltei ao médico, desta vez a um neurologista e não precisou de muito lero-lero para aquilo que eu me recusava a ver: eu estava com Parkinson. Ainda em estado muito inicial, mas Parkinson, sem dúvida.
Tomografia, exames, história pregressa, não havia como escapar.
Se disser que não foi um choque, estaria mentindo vergonhosamente. A depressão se abateu como uma nuvem pesada e carregada sobre mim e se não fosse a terapia, muito provavelmente haveria de ter cometido uma bobagem qualquer. Não, eu não queria passar o mesmo que meu pai havia passado. Aquela experiência fora forte demais, dolorosa demais. Por que eu, meu Deus? Essa pergunta, claro, sem nenhuma resposta, permeava minha cabeça vinte e quatro horas por dia. Não há respostas, simplesmente acontece e aconteceu comigo. Lógico, eu era uma pessoa mais vulnerável, muito embora o fator hereditário não seja dominante.
Comecei o tratamento; mais comprimidos que se juntavam aos tantos outros que já tomava e gradualmente uma sensação de aceitação foi se fixando. Não há cura, é irreversível, sei qual será meu futuro.
Mas de tudo tenho uma certeza: ainda que fique totalmente entrevada, incapacitada, jamais, em tempo algum me submeterei a uma cirurgia. Isso é decisão decidida consciente e racionalmente.
A primeira providência, além do tratamento medicamentoso foi inciar alguma atividade física.
Aqui onde moro há um grupo de terceira idade que faz ginástica duas vezes por semana. Bem apropriado para mim, pois cada um faz aquilo que lhe é possível. Ninguém está em busca de uma barriga de tanquinho ou um bumbum que pareça com a mulher melancia. Todos lá estão em busca de tornar melhor a sua mobilidade, a sua motricidade. A professora sabia do meu quadro e me passava exercícios apropriados.
Confesso que me sentia muito bem lá. Era uma das mais jovens do grupo, afinal tinha companheiros com mais de noventa anos, era portanto, um bebê.
Acreditem ou não, fui pedida em casamento. Só recusei porque já tenho um marido, ótimo por sinal. Mas o pretendente me oferecia uma boa casa, uma vida confortável, (ele recebia duas aposentadorias) e muito, muito carinho. Fiquei tentada, mas ele já tinha na época mais de oitenta anos, era corcunda e embora andasse sempre muito bem arrumadinho, realmente não fazia meu tipo.
Minha negação também levou em conta os tremores que ele apresentava nas mãos, sinais clássicos de Parkinson e você já pensou como seria o simples fato de coar um café sem se queimar? Eu é que não me arriscaria.
Bobagens à parte, acabei por deixar o grupo, pois minha sessão de terapia se chocava com o horário da "jovem" academia e reconheço, no momento precisava mais de musculação e aeróbica que fortalecessem minha mente do que meu corpo.
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